Como a IA está mudando a medição da dor em pacientes não verbais
Quantificar a dor sempre foi um desafio, principalmente quando o paciente não consegue se expressar verbalmente. Ao longo dos anos, vi relatos de familiares frustrados com a incapacidade dos serviços de saúde em identificar o sofrimento de idosos acamados ou pessoas com transtornos neurológicos. No centro dessa revolução, vejo diariamente que a Inteligência Artificial (IA) está transformando como mensuramos e tratamos a dor em pacientes não verbais. E isso acontece bem diante dos olhos de quem trabalha com soluções tecnológicas para a saúde, como nós da Fabrica de Agentes.
A experiência da Orchard Care Homes: da incerteza à precisão
A história da Orchard Care Homes, no Reino Unido, é um bom começo. Lá, antes de 2021, pacientes com demência eram avaliados usando a Abbey Pain Scale. Era um método manual, dependente da interpretação do cuidador, cheio de lacunas e sujeito a erros. Muitas vezes, o excesso de sedativos era a "solução padrão". A dor verdadeira? Freqüentemente negligenciada.
Foi quando, em 2021, chegou o PainChek. Esse aplicativo baseado em IA analisa microexpressões faciais usando a câmera do celular e fornece uma pontuação automática da dor. O resultado? Menos prescrições desnecessárias, ambientes mais tranquilos e, acima de tudo, identificação de dores que ficavam ocultas.
Tecnologia passou a dar voz a quem antes era “invisível” para o controle da dor.
Nas palavras de Cheryl Baird, diretora clínica da Orchard, “residentes isolados voltaram a participar de atividades sociais” após a introdução da tecnologia. Houve pessoas que voltaram a comer normalmente após a identificação de dor dentes, totalmente subestimada antes. O impacto vai bem além de números de planilha.
O avanço global: dor como mensurável
A tendência mundial é clara: transformar a dor em algo objetivo, usando sensores, câmeras e IA. O próprio PainChek, já com mais de 10 milhões de avaliações, possui aprovação regulatória na Austrália, Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia e Estados Unidos. Outras startups seguem o mesmo caminho, ampliando soluções para diferentes perfis e contextos. Vejo essa expansão como inevitável, especialmente onde há muitos pacientes frágeis e barreiras de comunicação.

Conversando com colegas de vários países, percebo que a aceitação é mais rápida quando os resultados aparecem em dados confiáveis. O reconhecimento por agências de saúde e pesquisas científicas fortalece a confiança. E a experiência da Orchard não é exceção: uma queda de até 25% no uso de antipsicóticos e de 42% no número de quedas hospitalares foi reportada na Escócia depois da adoção do sistema clínico digital.
Por dentro da dor: sistema nervoso, emoções e ciência
Para entender como a IA atua, vale retomar o básico: o sistema nervoso sente dor pelos nociceptores, sensores espalhados pela pele e órgãos, que enviam sinais ao cérebro. Mas essa transmissão encontra o chamado “portão” na medula espinhal, regulando a intensidade dos estímulos que realmente chegam ao cérebro.
O mais intrigante, em minha opinião, é como emoções e expectativas modulam a dor. O estado emocional pode aumentar ou amortecer a experiência dolorosa. A dor crônica, aquela que persiste além do processo de cicatrização, ainda é um enigma: não sabemos exatamente porque o sistema nervoso “decide” manter o alarme disparado. Fenômenos como a dor do membro fantasma, sentida em até 80% dos amputados, mostram como corpo e mente negociam – e muitas vezes entram em conflito.
A dor não é apenas um sinal físico: é sempre uma construção do cérebro.
O consenso científico ainda é parcial. A chamada transição para a dor crônica é estudada há décadas, mas hipóteses sobre neuroplasticidade, inflamação e psique ainda não formam um único quadro. Isso ajuda a explicar por que a medição objetiva da dor ainda é vista como “missão impossível” por muitos profissionais.
O passado e os desafios: medir algo tão subjetivo?
Historicamente, medidas de dor foram quase sempre subjetivas. Do grito primitivo à escala verbal (“de 0 a 10, quanta dor sente?”), a experiência pessoal sempre predominou.
- Cultura: números mostram que italianos avaliam a dor de forma mais intensa que suecos ou sauditas diante do mesmo estímulo.
- Gênero: mulheres ganham alta hospitalar sem registro de dor 10% menos que homens, mesmo em situações clínicas similares.
- Raça: crianças negras recebem menos analgésicos que brancas ao tratarem fraturas.
- Ambiente: 70% dos pacientes de UTI sofrem dor não reconhecida devido à incapacidade de falar ou se expressar.
Essas evidências mostram como fatores pessoais, emocionais, culturais e vieses clínicos distorcem a avaliação convencional. Sem falar no desgaste para enfermeiros diante da incerteza: apostar em medicamentos ou não? Como garantir justiça e segurança?
Recentemente escrevi sobre os riscos de uma comunicação ineficaz na saúde, que reforça como tomar decisões baseadas em impressões pode ser prejudicial até para quadros menos graves.
IA na prática: sinais fisiológicos e comportamentais dão o tom
Com essa busca pela objetividade, a IA entrou com força em dois caminhos principais:
- Sinais fisiológicos: uso de eletrodos EEG, análise multissinal (frequência cardíaca, sudorese, expressões involuntárias). O PMD-200, aprovado na Europa e Ásia, monitora sinais elétricos e já provou que pode ajudar a reduzir relatos de dor após cirurgias – sem aumentar o uso de opioides.
- Sinais comportamentais: análise por vídeo de microexpressões faciais. O PainChek, por exemplo, baseia-se na codificação Facial Action Coding System, que observa padrões de músculos do rosto. Enfermeiros conseguem avaliar em poucos minutos, sem descartes ou atrasos.
Esses métodos vêm sendo aplicados em larga escala, inclusive em países como Canadá e Nova Zelândia. Cada vez mais instituições percebem que, ao adicionar uma camada extra de análise automática, conseguem decisões mais assertivas e pareadas ao sofrimento real.

Impactos práticos e depoimentos: o que mudou nos lares de repouso?
Perguntei a profissionais que atuaram com esse tipo de tecnologia e ouvi histórias impressionantes. Não foram raros os casos de idosos antes isolados, apáticos, que após o ajuste do tratamento participaram de jogos coletivos, redes de conversa e refeições em grupo. Na Orchard, menos medicamentos foram prescritos, o ambiente ficou mais calmo, e residentes voltaram a sorrir – literalmente. Segundo Cheryl Baird, “não precisamos mais supor quem está sofrendo; agora, ouvimos o que antes era silêncio”.
É claro que nem todos aceitam de imediato. Muitos profissionais de saúde relatam fadiga diante de novos sistemas, além de dúvida sobre a precisão. Mas, como ressaltou um enfermeiro, “ninguém chutaria a pressão arterial; por que aceitar chutar o nível de dor?”
Outro avanço recente é o PainChek Infant, treinado para captar microexpressões em bebês e já sendo testado na Austrália. A expectativa dos especialistas é adaptar para síndromes raras e perfis pediátricos complexos, tornando o cuidado ainda mais humanizado.
Os riscos, os limites e o papel do profissional
Tudo tem outro lado. Fico alerta aos riscos trazidos pelo uso de IA nesses cenários. O algoritmo pode errar ao interpretar caretas de espanto como dor, apresentar viés em tons de pele, ou ser supervalorizado a ponto de ofuscar a avaliação clínica humana.
Outros dispositivos e algoritmos estão surgindo: sensores para dor neuropática, sistemas que vasculham prontuários eletrônicos à procura de sinais indiretos de sofrimento. Bem como mostramos na Fabrica de Agentes ao falar sobre verdades e mitos sobre agentes de IA em empresas, qualquer solução precisa ser contextualizada e não substitui o julgamento humano.
A dor é um diálogo entre paciente, tecnologia e profissionais.Nem sempre algoritmos compreendem fatores clínicos, históricos ou relacionais e, por isso, toda ferramenta externa precisa de supervisão. É fundamental não reduzir pessoas a gráficos estáticos.
E se a IA der voz a quem sofre em silêncio?
Falo com pacientes com dor crônica que descrevem a sensação de invisibilidade diante do desconhecimento clínico. “Parece que só acredito que dói porque é comigo”, ouvi de uma senhora em tratamento para fibromialgia. Se, com a ajuda da IA, for possível oferecer uma “voz numérica” para quem antes sofria sem reconhecimento, vale acrescentar uma nova linha de dados aos sinais vitais.
Na Fabrica de Agentes, sempre acreditei que soluções de IA precisam ser desenhadas para dialogar com a realidade dos usuários, ampliando a compreensão dos profissionais e elevando a experiência dos pacientes. Aprofundar conhecimento em inteligência artificial e entender como os agentes inteligentes podem ser integrados de modo humano é o caminho que buscamos todos os dias, inclusive ajudando empresas do setor de saúde – das grandes redes até as pequenas.
Caso você queira conhecer como a IA personalizada pode transformar o cuidado, desde a medição da dor até o atendimento, automação e análise de dados, visite o site da Fabrica de Agentes ou navegue por conteúdos como transformações do suporte no franchising com IA. Vamos dar voz, dados e melhores decisões para quem mais precisa ser ouvido.
